Feliz Ano Novo! Um Próspero 2019 para vocês!

De repente, não mais que de repente,

Assim, subitamente, impetuosamente,

No último instante possível, no pico da adrenalina,

Percebi que a reviravolta que precisava era a rotina.

Ano_novo2019

Pois é… se vocês notaram a ausência de cartão no ano passado, não é porque saíram da lista… é porque não escrevi nada mesmo. Esses últimos dois anos foram uma montanha russa, o final do ano passado foi um dos momentos piores, e eu não consegui encontrar o humor para escrever.  E para esse ano vocês vão ter que se contentar com o mini-conto/poema-pé-quebrado acima.

O meu humor ficou um tanto para baixo por vários motivos. O primeiro, problemas no serviço. Por muito tempo eu tive uma sorte e privilégio enormes, trabalhar em algo que não só tem um bom salário, carga horária e essas coisas de bons empregos, mas que, principalmente, algo em que eu acreditava profundamente, que ressonava com os meus valores e que me parecia fazer uma diferença no mundo para melhor, diferença que eu estava, inclusive, vendo acontecer.

Eu trabalhava no combate ao tráfico de animais silvestres (bem, em tese, ainda), e por mais que o bloco de gelo fosse gigante, este era um glaciar que eu estava feliz de ver diminuir mesmo que fosse só um pouquinho.

Mas aí chegou agosto do ano passado, que me fez ver que qualquer diferença que eu achasse que estava fazendo era apenas ilusão e que tudo pelo que se trabalhou por mais de década pode ser jogado fora em alguns atos burocráticos. Tentei fazer o que podia para recuperar as coisas. Tudo o que consegui foi uma ameaça de que sofreria processo disciplinar e seria demitida caso continuasse a causar problemas ou falasse sobre o que está acontecendo. Então, não posso explicar qual o problema no serviço. E olha, se acreditasse que continuar balançando o barco mudaria alguma coisa, não me importaria com o processo disciplinar, mas… mas não acredito mais que haja saída positiva para isso.

Não que eu não continue com um bom emprego, nos critérios que as pessoas usam para classificar empregos. E  trabalhar apenas pelo salário é a verdade para boa parte da população do mundo, tem gente em situação muito, muito pior que eu, que nem tem emprego ou que tem empregos abusivos. Eu não deveria ficar para baixo por isso, eu sei. Eu tive o privilégio de trabalhar no meu ikigai por doze anos, e isso é mais do que a maior parte das pessoas consegue. Mas o que aconteceu ainda me deixa triste.

Tive alguns problemas de relacionamento pessoal também, vindos de vários lados, a maioria das pancadas com o mesmo teor: pessoas se cansando da inconveniência da minha doença.

Eu sei, é um porre. Via de regra eu recuso quando me oferecem comida. Estou sempre de máscara-filtro (o que esconde a minha cara) ou ao lado de um purificador de ar (o que me deixa parada em um lugar só, sem acompanhar as pessoas de um lado para outro em reuniões). Não consigo andar em carros a diesel. Só se for essencial para o trabalho eu vou a lugares com multidões e a certas partes da cidade, evitando a região da Paulista/Centro/Liberdade/qualquer outro lugar com muita gente que fume. Não ando ao lado de pessoas que estão fumando. Estou quase sempre com cara de doente. Não consigo ficar muito tempo em reuniões sociais, às vezes (e muito mais frequente do que gostaria) tenho que desmarcar compromissos em cima da hora e dependendo de onde foram marcados, já desde o convite aviso que não poderei ir.

Eu sei que isso tudo é muito chato, e agradeço muito às pessoas que, mesmo com tudo isso, ainda gostam da minha companhia. Amo muito vocês, meus amigos verdadeiros.

Agora, tem gente que é obrigado a conviver, por motivos vários, e algumas dessas pessoas acham, ou agem como se achassem, que faço essas coisas por capricho, não porque preciso.

Elas não têm noção de como eu gostaria de simplesmente ser uma pessoa normal, conseguir viver uma vida normal. Como eu adoraria poder, por exemplo, andar na Paulista e ver as luzes de natal. Ir em uma bienal do livro. Poder comer um pastel em uma barraquinha de rua.

Tentam discutir comigo como se fosse uma negociação, e eu estivesse sendo pouco razoável por me negar a fazer algo que, na melhor das hipóteses vai me provocar dores horríveis por alguns dias, e na pior vai me matar. Eu não gosto de ter que ser pouco razoável. Eu ADORARIA poder ceder. Mas não estou suicida o suficiente.

É outra coisa com a qual eu não deveria me preocupar, eu sei. Minha resolução de Ano Novo é olhar mais para as pessoas bacanas que têm na minha vida, que são muitas, e aprender a ignorar as pessoas que só me suportam porque são obrigadas pelas convenções sociais.

Mas é difícil. Algumas vezes porque as convenções sociais obrigam à convivência constante, e as alfinetadas seguidas doem. Algumas vezes são pessoas que… bem, tem gente na vida que quando dá essas pancadas, elas doem muito mais.

Eu já deveria estar acostumada com esse tipo de coisa, ter aprendido a relevar. É um problema que tenho desde que me dou por gente, e já estive em um estado de espírito em que ignorar era muito mais fácil. Já estive acostumada com isso. Mas sei lá, não sei se as pancadas vieram em um ritmo maior nesses últimos dois anos ou se baixei a guarda demais, sei que elas me atingiram mais do que o normal.

Tiveram outras pancadas, de problemas bestas mas que vão se acumulando. Por exemplo, os bugios da minha região foram extintos pela febre amarela, minha cachorrinha Pooka desapareceu, meu blog favorito virou um videolog e não consigo mais segui-lo porque a internet de casa é ruim, uma legião de “besteirinhas”, problemas dentro daquele famoso conjunto “me dê serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar”. Confesso, estive com uma baita deficiência de serenidade ultimamente.

O que agora sei que talvez tenha sido causado porque tive uma piora grande de saúde. Mas por boa parte desses dois anos, eu não sabia o que fazer.

Ao me mudar para Mairiporã (e não apenas para Mairiporã mas para o meio do mato), achei que ia finalmente conseguir controlar minha doença. Me afastei do que me dava alergia, fiz toda a casa planejada e reformada para não ter nada que me causasse problemas, fiz o tratamento de quelação para as intoxicações que estava, o qual funcionou e melhorei bem. Mas aí …

Aí maconheiros locais decidiram que a mata do lado de casa, quase ao lado da cerca, era o lugar ideal para fazer um rolê. Francamente, não tenho nada contra a maconha, exceto uma alergia gigantesca, e se estivessem fumando em qualquer outro lugar, não me importaria, que cada pessoa faça o que quiser com seu corpo e pulmões. Mas ao lado de casa… ai.

Comecei a passar mal mesmo na casa remota em que me escondi. E essa seca dos últimos dois anos, e vizinhos queimando plantações cheias de agrotóxico, também não ajudaram. Comecei a piorar tudo de novo.

Nesses dois anos, tentei voltar a escrever para publicar, o que eu não fazia desde que tinha piorado. Cheguei a publicar dois novos contos, mas crises alérgicas me impediram de ir nos lançamentos, o que tira toda a graça de publicar. Afinal, não é por dinheiro que faço isso… não é como se ganhasse dinheiro com livro no Brasil. Mas o oba-oba dos lançamentos, conversar com outros escritores, passar uma tarde ou uma noite em função de livros, rodeada de gente que também está ali porque gosta de livros… ISSO vale o trabalho de publicar algo de verdade, em papel e não só em um blog qualquer. Não conseguir ir ao lançamento dos livros por estar em crise quase me fez desistir de escrever para publicar de vez…

E aí recebi a notícia de que um dos contos tinha sido indicado para um prêmio literário, o Strix… é um prêmio pequeno, mas fiquei feliz para caramba, pois foi totalmente inesperado… eu não tinha ainda nem conseguido ler o livro publicado porque uma das coisas que hoje em dia está me provocando crises é justamente o cheiro de livro novo (de todos os meus gatilhos de crise acho que este é o mais triste e que mais me deixa chateada, e surgiu nesses últimos dois anos, outra das besteiras a ter que se enfrentar com a serenidade que me está em falta).

Peguei o livro que tinha deixado de quarentena (agora os livros novos ficam de quarentena abertos em casa em um quarto que não entro, até que o cheiro de livro novo saia) e li de uma tacada só rápido o suficiente para poder comentar os textos dos outros autores indicados na lista de discussão. Planejei em detalhes como faria para ir ao dia da cerimônia do Prêmio. E…

E no dia da cerimônia o vizinho colocou fogo no seu campo de cana-de-açúcar lotado de round-up. Tive uma baita crise, e até hoje nem sequer sei quem ganhou o prêmio. Foi como perder um lançamento de livro de novo.

2018, ainda assim, foi melhor que 2017. Consegui fazer algo que não fazia desde a lua de mel: viajar. De carro, planejadinho todos os hotéis e lugares para evitar problemas, levando remédios e purificadores de ar, tendo problemas do mesmo jeito, mas valeu à pena. Passamos por lugares lindos, comemos comidas maravilhosas, tiramos fotos fantásticas.

Deu problema no carro que nos quebrou a perna financeiramente (tínhamos planejado e economizado para gastar na viagem, mas o conserto do carro saiu pelo mesmo que o resto da viagem inteira, e não tínhamos economizado para tudo isso), e um gerente de hotel fdp da Argentina (a viagem foi pelo sul do Brasil, visitando os Parques Naturais. Mas de Foz ao Parque Estadual do Rio Turvo, achei que cortar caminho pela Argentina valeria à pena e ERREI FEIO) nos deixou em um quarto ao lado de maconheiros (sabendo da minha alergia e sabendo dos maconheiros), o que me derrubou em uma das semanas da viagem (felizmente a Li estava com a gente e trocamos de quarto com ela, e íamos passar só uma noite naquele hotel).

Ainda assim, a maior parte da viagem foi ótima. Me permitiu uma raridade: um dia inteiro sem dor (não tinha um desses há anos), em Foz do Iguaçu, no hotel fantástico, dentro do Parque Nacional, em que ficamos, e valeu à pena. Muito.

De volta em casa, em um dos meus dias piores, no meio de uma crise alérgica e cheia de dor, fiz um desabafo na lista de Whats App do bairro… e depois disso os maconheiros pararam de fumar ao lado de casa (pelo menos neste mês). E isso também valeu à pena. Muito.

Também neste último Novembro, lendo uma reportagem de um dos sites de meio ambiente que sigo, topei com a descrição de uma pessoa com sintomas de doença… familiares. Aí peguei o nome da doença e fui pesquisar sobre ela. E tudo foi ficando mais e mais reconhecível… e aí marquei uma consulta na minha alergista e pedi e implorei para que ela me passasse os exames laboratoriais para confirmar se essa doença (a qual ela não conhecia, conhecendo só sua prima má/câncer, Mastocitose).

E isso também valeu à pena. Muito.

Porque finalmente consegui algo que não tive antes nos meus trinta e nove anos: um diagnóstico. Completo. Comprei o  principal livro publicado sobre a doença e me abismei com o quanto da minha história médica ela explica. Fora a catapora que tive na infância e umas duas zoonoses que peguei durante a minha vida de veterinária, acho que todos os meus problemas de saúde até hoje foram a Doença. E isso me dá um norte, pois, tendo um diagnóstico, eu posso tentar tratamentos mais específicos.

Fora poder finalmente dizer: NÃO é minha imaginação. Uma doença PODE funcionar desse jeito. NÃO está tudo na minha cabeça. NÃO estou inventando ou fazendo drama só para fazer ***** sofrer. SIM EU SEMPRE ESTIVE DOENTE ESSA DOENÇA É GENÉTICA.  Tive anos piores e melhores, tenho dias piores e melhores, tive anos muito ruins nos últimos tempos, mas SEMPRE estive doente.

Muito do que eu já estava fazendo estava certo, e estou muito melhor do que poderia estar. Ler os relatos de outras pessoas doentes me mostrou o como minha doença está controlada e como tenho sorte.

E com o diagnóstico, posso tentar melhorar ainda mais o meu tratamento. Provavelmente nunca vou ter a saúde perfeita, mas posso ter um número maior de dias bons. Não devo conseguir jamais ser uma pessoa normal, mas… ah, normal é superestimado mesmo.

Desta vez, o presente mesmo do cartão não é um conto. É “não-ficção”, um arquivo sobre a doença do meu diagnóstico, que inclui a lista dos seus sintomas.

Porque este cartão vai para muita gente da família, e a doença é genética, e pode ser que tenham mais pessoas com isso. E também é uma doença recém descrita (o CID é de 2007), e muito sub-diagnosticada, e várias pessoas podem ter e não saber. Não dá para fazer um diagnóstico por um arquivo da internet, mas dá para ter uma suspeita e perguntar ao médico, e um diagnóstico é uma diferença gigantesca na vida. Por isso, aí vai:

www.furiabrasil.com/Natal/SAM.docx