Turismo – porque acho necessário

Turismo é uma das primeiras coisas que a maioria das pessoas preocupadas em levar uma vida sustentável descarta como desnecessário, supérfluo e injustificável consumismo. Afinal de contas, viajar por prazer é um símbolo de status (e símbolos de status sempre são meio antipáticos). Mais concretamente, o turismo é responsável por cerca de 8% da pegada de carbono global. À primeira vista, isso quer dizer que essa forma de lazer (e lazer é algo que muitos julgam dispensável na vida… dos outros) é responsável por quase um décimo da corrida para o abismo em que estamos. A evitar, né?

Pessoalmente, acho que não. Ok, talvez seja uma racionalização do hedonismo da minha parte (afinal, adoro viajar). Mas tenho três motivos para achar o turismo importante:

1. Viajar educa o viajante.
Por mais que alguns viajantes tentem se confinar em uma bolha de avião/resort/pontos turísticos cuidadosamente esterilizados, é impossível não topar, em viagens, com gente de fora do seu círculo, rotinas diferentes da sua, lugares que não são o esperado e conhecido. E essas pessoas, modos e lugares novos, a princípio, são apresentados de forma positiva. O viajante aprende que há gente diferente dele no mundo, e que essas pessoas, ainda assim, são gente também e que diferenças podem ser boas. Aprende a se importar com quem está longe. Deixa lugares distantes cheios de faces conhecidas, e, assim, passa a se importar, emocionalmente, um pouco mais com o restante da humanidade. E essa capacidade de ver que o distante/diferente/exótico importa, é algo essencial a ser cultivado, se queremos que a nossa sociedade global sobreviva.

2. Viajar educa quem recebe o viajante.
Ok, de vez em quando, todos odeiam um turista. Mas via de regra turistas trazem duas coisas que fazem com que os locais os vejam com pelo menos um pouco de simpatia. Primeiro de tudo, turistas trazem dinheiro às economias locais. E quem vive em sociedade hoje, gosta de dinheiro, mesmo que finja não gostar. Segundo, o turista traz um olhar de admiração que sempre dá aquela pontada de orgulho nos locais, aquele descobrir que sua vizinhança e rotina são o motivo de alguém se dar ao trabalho de vir de longe para conhecer. E isso ensina aos locais duas coisas: primeiro, o mesmo que o turista aprende, que o distante/diferente/exótico importa (mas dessa vez, o distante veio bater à sua porta). Segundo, que o que parecia ser uma coisa besta, rotineira e comum, é um tesouro que atrai pessoas e merece ser preservado.

3. Turismo é uma atividade que dá valor à natureza preservada.
Então, lembra da coisa besta, rotineira e comum que é um tesouro? Talvez ela seja algo que era antes considerado um estorvo, algo que fazia se perder dinheiro, mas que, com o turismo, é algo que passa a trazer dinheiro para a comunidade local. Talvez seja algo que faça o investimento em preservação parecer um ótimo negócio (que tal um retorno do investimento de 7/1? ). Talvez seja algo que permita mudar toda uma cultura local, ensinando a valorizar e preservar a natureza ao invés de matar, e que permita resgatar espécies em extinção.

Claro, o turismo tem impactos negativos também. Mas é preciso lembrar, as populações locais (e que lugar do planeta não tem populações locais hoje em dia) vão precisar tirar dinheiro de alguma coisa, se sustentar de alguma forma, e haverá atividade econômica.

Seria ótimo se a humanidade decidisse em peso deixar os 50% para a natureza que nossa sobrevivência exige, sem querer dessa área nada além do que a natureza produz por si só. Só que isso é utopia… se discorda, faça o pequeno exercício mental: você estaria disposto a deixar 50% da área da sua casa para a natureza, deixando vegetação crescer, bichos tomarem conta (não estou falando de cachorrinhos e gatinhos fofinhos, todo tipo de bicho, incluindo os mosquitos, ratos e baratas que provavelmente povoariam uma metade urbana de casa), sem tirar nada dali, nem sequer uma frutinha do mato, nem um passeio de vez em quando para ver o mato? Se estiver… quantas pessoas você conhece que topariam fazer o mesmo?
Os impactos negativos do turismo, que podem ser facilmente minimizados com limites máximos de visitantes e taxas (tornando mais caro viajar para um lugar muito desejado, mas diminuindo o número de viajantes que se recebe sem diminuir o retorno econômico para a população local). E são muito menores que os impactos negativos de atividades econômicas que podem substituir o turismo como sustento de uma região, por exemplo, mineração, agronegócio, pesca, cidade-dormitório, praticamente tudo

Claro que as outras atividades econômicas citadas também são necessárias para manter a nossa civilização (se fosse possível mantê-las em ½ ao invés de ¾ do mundo, estaríamos bem melhor), e é possível fazê-las de forma a impactar menos o mundo natural. Mas no caso do turismo, é possível fazer com que ele seja benigno ao ponto de que uma área conte como parte dos 50% da natureza, e ainda assim esteja trazendo dinheiro para a população local.
Nem todo o turismo é benéfico assim, óbvio. Minimizar o impacto das viagens é necessário, mas conhecer um lugar diferente nas férias pode ajudar, e muito, a manter o mundo preservado, se o viajante seguir algumas pequenas regras;
*Não viajar para locais que estão em crise, durante a crise.*
Se os recursos naturais de um lugar estão se esvaindo de forma que pode colocar em risco a população local, não é uma boa ideia ser uma pessoa a mais colocando pressão no ecossistema. Depois da crise, porém, é outra história… trazer dinheiro para economias que acabaram de sofrer um desastre pode ser exatamente o que os locais precisam para reconstruir.
*Seguir as regras locais.*
Se um local tem taxas de turismo e/ou limites de visitantes é provável que tenha um bom motivo para isso. Se um parque pede para se permanecer dentro das trilhas isso é porque pisoteamento impede plantas de crescerem. E claro, não são só os seus pezinhos dourados que vão destruir a flora local, mas quando alguns milhares de turistas decidem que trilhas são para fracos… Quanto a regras de não fumar, não acender fogueiras durante a estação seca, não jogar lixo, etc. não precisa nem comentar, né?
Ah, e se um país tem leis mais duras que seu país de origem, se informe antes de ir. Se não concordar e for incapaz/não quiser cumprir essas regras, não vá visitar o lugar (se for algo realmente revoltante, se junte a campanhas contra isso, mas não é inteligente ir para o local como turista). Se visitar e quebrar as leis locais, arque com as consequências. Elas podem lhe custar tudo.
*Minimizar a emissão de carbono do transporte (e as outras).*
O maior impacto ambiental do turismo é em emissões de carbono-equivalente, e o motivo dessas emissões serem tão grandes é o transporte. Especialmente o transporte aéreo. Mas nem toda boa viagem precisa ser para longe e nem todo transporte precisa ser aéreo (existem também trens, ônibus, carros, motos, navios, bicicletas, etc. e via de regra esses modais têm uma pegada de carbono menor).
Se o vôo for necessário para se conhecer um lugar (morando no Brasil, isso é uma verdade, tem partes do mundo que saindo daqui só se conhece voando), que tal aproveitar ao máximo, tirar férias longas e usar os transportes locais depois de se voar o trecho mais longo?
*Compensar o carbono que não se conseguiu evitar.*
Toda viagem vai ter a sua pegada ambiental. Se cada viajante já incluísse nos custos da sua viagem a compensação do carbono, o mundo ficaria bem melhor. Comece calculando o quanto de carbono emitiu. Depois, plante árvores (7 para cada tonelada de carbono). Se não tiver onde plantar as árvores, ajude quem planta, por exemplo o SOS Mata Atlântica.
*Gaste dinheiro, do jeito certo.*
Boa parte do impacto positivo do turismo é que transfere dinheiro da parte mais rica da população para a mais pobre. Para isso, é preciso que o turista gaste no local que visita (e é por isso que ninguém gosta de farofeiros). Mas o como se gasta faz diferença. Compre souvenires, por exemplo, mas se eles foram Made in China, só compre se você estiver na China… qual é a graça de comprar algo longe, se você poderia comprar em sua casa? Valorize o que é local ao comprar, o artesanato que só pode ser encontrado onde se viajou.
E aproveite para dar dinheiro a causas ao comprar seus souvenires. Por exemplo: gaste na loja do museu ou do parque. Esse dinheiro é contabilizado diretamente no caixa do lugar onde você acabou de visitar, ajudando a manter o patrimônio cultural e/ou natural.
Valorize a cozinha local ao escolher o seu restaurante. Dica aleatória: não há forma melhor de conseguir amigos na Itália do que entrar em uma charcuteria/queijaria local e pedir para experimentar/comprar os frios e queijos da região. Você não vai poder trazê-los para o Brasil, vai ter que almoçá-los por lá mesmo, mas vai ver um italiano radiante lhe explicar detalhes da região/cidade/vila que você nunca imaginaria.
Valorize hotéis que usam mão-de-obra local e que sejam sustentáveis. Afinal, você não está visitando um local diferente para só falar com outros estrangeiros ao local, né?
Valorize conhecer a natureza, ver bichos vivos, plantas locais e paisagens naturais . Se parte do objetivo do turismo é fazer os locais darem valor ao ambiente que os cerca, o turista tem que valorizar isso também.
*Evite experiências que abusam de animais ou pessoas.*
Deixando bem claro, NÃO estou falando para evitar zoológicos. Os zôos são essenciais para a conservação da fauna. A bem da verdade, até andar de carruagem pode ser um passeio bacana, dependendo de como o cavalo da carruagem for tratado.
Mas não andar de elefante naquele pobre bicho que é maltratado com agulhões, evitar circos com ursos dançantes, evitar lugares que aprisionam cetáceos (bichos que são grandes demais para a maioria dos aquários e inteligentes demais para poderem ser mantidos em espaços pequenos sem sofrer), e ter boa educação com os locais… isso é o que se espera de qualquer turista bem-intencionado.
Sem falar no “não cometer crimes contra os locais”. Seja na escala “quase nada” de fingir-se de vítima para não admitir à namorada que se embebedou e causou reboliço, até o absurdo completo de coisa muito, muito mais séria, que num mundo ideal não existiria, esse tipo de “turista” nenhum país merece.

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